daniel lebrePublicado originalmente em Labnetwork (16/02/2016)

Já consolidada no meio científico como uma técnica de alta especificidade e baixo custo logístico, dried blood spot (DBS), ou gota de sangue seco, vem ganhando a atenção de empresas interessadas em tornar sua aplicação mais difundida entre pacientes, médicos e laboratórios.

O CEMSA – Centro de Espectrometria de Massas Aplicada é uma delas. Empresa de inovação que atua no mercado desde 2009, tem como objetivo principal a prestação de serviço laboratorial, utilizando a espectrometria de massa como ferramenta para desenvolvimento de métodos analíticos eficientes.

E para falar um pouco mais sobre DBS e espectrometria de massa, o portal LabNetwork entrevistou o químico Daniel Lebre, diretor da empresa que está incubada na USP/IPEN – Cietec. Acompanhe:

LabNetwork – Qual a natureza da técnica dried blood spot (DBS)?
Daniel LebreDried blood spot é uma técnica de amostragem de sangue total cuja amostra ao invés de líquida é sólida, e ela é acoplada a uma análise que usa a técnica analítica de cromatografia acoplada a espectrometria de massa. A amostragem de sangue seco vem sendo aplicada para inúmeras finalidades, como análise de fármacos, de metabólitos endógenos e diversos marcadores clínicos. É uma técnica já consolidada nos países desenvolvidos, mas no Brasil ainda estamos engatinhando neste tipo de amostragem.

LabNetwork – Para quais aplicações ela já está bem estabelecida?
Daniel Lebre – A amostragem de sangue seco é muito utilizada no meio clínico na área de screening neonatal. Com o advento dos espectrômetros de massa do tipo Tandem (MS/MS), que reúne dois filtros de massa no mesmo equipamento, foi possível criar aplicações de detecção de metabólitos do erro inato do metabolismo. Com uma punção não intrusiva no calcanhar do recém-nascido, apenas uma gota do sangue é coletada em um papel específico. Espera-se secar o sangue e envia-se ao laboratório. Depois do tratamento químico dessa amostra, ou seja, da extração dos componentes nesse sangue seco, o espectrômetro de massas faz em minutos a análise dos biomarcadores para a determinação de aproximadamente 40 erros inatos do metabolismo.

LabNetwork – Como tem sido a evolução da espectrometria de massa ao longo dos anos?
Daniel Lebre – Foi na década de 1980, com os espectrômetros mais avançados, que se consolidou essa aplicação. Nos anos 2000 começaram efetivamente as novas aplicações com sangue seco, já que os espectrômetros se tornaram técnicas mais sensíveis, conseguindo determinar quantidades cada vez menores dos elementos. Hoje, estamos falando em amostras detectadas na casa do atomol e fentomol. O que impulsionou essa tecnologia na verdade foram as grandes farmacêuticas e suas pesquisas para o desenvolvimento de fármacos. Elas passaram a utilizar amostragens de sangue seco para estudos pré-clínicos e clínicos para determicação farmacocinética. No caso de ensaios pré-clínicos em animais, com uma simples picada na calda se faz a coleta de 20 microlitros e, por ser menos invasivo, é possível resguardar o animal e coletar tempos diferentes do mesmo animal para as dosagens do fármaco. Além disso, há redução com os custos de armazenamento de amostras e logística. Novos marcadores com aplicação clínica são a recente novidade.

 

Com apenas uma gota de sangue no papel, o próprio paciente transplantado pode coletar a amostra em casa ou no consultório médico
Com apenas uma gota de sangue no papel, o próprio paciente transplantado pode coletar a amostra em casa ou no consultório médico

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Com apenas uma gota de sangue no papel, o próprio paciente transplantado pode coletar a amostra em casa ou no consultório médico

LabNetwork – Como o CEMSA viu no DBS uma oportunidade?
Daniel Lebre – O CEMSA, como empresa de inovação, tem um projeto que começou em 2014 com apoio dos parceiros Fapesp, Unifesp, USP, Ipen e Cietec. Esse projeto visa buscar uma aplicação de sangue seco para dosagem de imunossupressores, acreditando que isso vá melhorar a qualidade de vida do paciente e a relação com o médico. Nós identificamos como uma oportunidade nessa área porque, hoje, o Brasil é o segundo país no mundo em número de procedimentos de transplantes de órgãos. Após o transplante, o paciente precisa tomar imunossupressores para evitar rejeição. Cada paciente responde a uma farmacocinética a estes imunossupressores e o sucesso do procedimento ou até a vida do paciente depende deste medicamento. O médico solicita a dosagem periódica desses componentes até o paciente entrar na faixa terapêutica adequada. Essa aplicação chama-se therapheutic dose monitoring (TDM) ou monitoramento de drogas terapêuticas. É exatamente aí que essa técnica se encaixa perfeitamente. Ela proporciona uma coleta de amostra menos invasiva para um paciente que já sofreu uma cirurgia, além de ser uma técnica que permite a análise destes compostos com limites de confiabilidade superior ao que existe atualmente, que é a técnica de imunoensaio. A técnica de imunoensaio depende exclusivamente de kits que são importados e continua sendo uma coleta líquida e intrusiva (sangue venoso) onde existem custos mais altos como armazenamento e coleta, para citar alguns. Nós acreditamos que o DBS tende a ser um excelente substituto. Com apenas uma gota de sangue no papel, o próprio paciente pode coletar a amostra em casa ou no consultório médico.

LabNetwork – Como está o andamento do projeto?
Daniel Lebre –Nós desenvolvemos uma técnica para detecção de ciclosporina A, everolimus, sirolimus e tacrolimus, que são os principais fármacos administrados em transplantados. Agora estamos terminando a fase de viabilidade para testar juntamente aos usuários pacientes e médicos solicitantes. Para o SUS nós acreditamos que a adoção dessa metodologia seria uma evolução porque ela é mais barata e não depende de importação de kits. Estamos falando de um volume alto, na casa dos milhares de dosagens. Hoje, nós estamos trabalhando com parceiros como Unifesp, Santa Casa e entidades científicas para validar a técnica.

LabNetwork – Se compararmos DBS e imunoensaio, quais as vantagens e desvantagens?
Daniel Lebre – O imunoensaio tem suas vantagens, como a rapidez, e já está implantado dentro dos hospitais. A espectrometria de massa ainda não atinge essa velocidade. Existem algumas técnicas que estamos estudando para acelerar o processo. Eu diria que o gargalo da espectrometria de massa hoje em dia é, na verdade, a cromatografia. Hoje, o resultado por esse método demora em torno de 24 horas. Mas a espectrometria leva algumas vantagens com relação à especificidade. Em termos de custo, a espectrometria é uma técnica que demanda um investimento alto no início, mas que se paga ao longo do tempo. Isso porque o ensaio é feito in house. No imunoensaio podem ocorrer casos de falsos-positivos, especialmente quando se faz análise de ciclosporina A. Como a espectrometria trabalha com o alvo, ela foca na massa molecular do elemento/composto, portanto a análise é muito específica. Essa especificidade permite usar baixíssimas quantidades (poucos microlitros) de amostra para dosar (nanogramas por ml) e livres de qualquer interferência. Nós agora estamos buscando parceiros e canais para a comercialização, afinal somos uma startup.

 

Confira aqui o podcast da entrevista